terça-feira, 20 de janeiro de 2015

São Quase Três

São Quase Três

Ouvindo: Nothing At All, Gentle Giant

Eu dormi demais, e já são quase três. São quase três e o céu faz jus, sob uma espessa camada de neblina alaranjada, ao meu estado de espírito. É escuro, frio, pálido e estático. Sem vento, como se uma espécie de força sobrenatural abraçasse árvores e seus galhos fortemente, não cedendo espaço a movimentos bruscos, implorando por calmaria. Em algum lugar, sob todas as nuvens e serração, escondem-se as estrelas cujo pó passeia por meus ossos e, claro, minha doce companheira Lua. O ar que preenche o jardim sob minha janela aberta transporta o mesmo cheiro frio e confortável do inverno. E agora sim, já são três.

Ouço o sussurro suave que se mistura ao manso dedilhar de cordas de aço, murmurando calma. Calma. Calmas. Contando-me sobre o orgulho da (suposta) força estratosférica que tem fluído por minhas veias no último mês. Seus lábios se arqueiam como uma linha reta que, de repente, adquire forma. Os meus são salgados por lágrimas.
Porque eu “tenho me saído bem”. Bem, com seus braços em minha volta, sob enormes nuvens cinzentas de chuva. Bem, me sentindo gigantesca com sua cabeça apoiada em meu peito. Bem, brincando de compor canções. Bem, até ficar sozinha. E eu tenho estado muito sozinha.

Agora, na solidão escura cercada por neblina, minha mente se enche de pensamentos sobre aquele que provavelmente, nesse exato momento, acelera alguma coisa por uma rua vazia. Vento em seu rosto, vento congelando suas mãos. Vento. Céu. Estrada. Como a bela cena do romance que nunca escrevi. Nem presenciei.
E memórias. Memórias ainda frescas sobre o perfume que pela primeira vez me pareceu familiar. Sobre mãos tão exatas. Braços tão grandes me envolvendo por completo em meio a tantas pessoas que não faziam ideia sobre a felicidade que rompia meu peito e me dava vontade de gritar. Era lindo. Especial como me parecia nos primeiros dias. Naquele momento, ignorei todo e qualquer pensamento que beirava sensatez, que gritava sobre a outra garota o esperando em outro canto do país e sobre meu próprio garoto, me esperando do lado oposto da cidade. Rendi-me aos abraços apertados, às canções que jamais serão simplesmente “canções” e à vontade fulminante que ficara presa por tantos e tantos dias em meu peito e era, enfim, libertada. Mesmo que não completamente.

Quando voltava para casa naquela mesma madrugada, com o sol apontando seus primeiros raios e nuvens ficando lilases e cor de rosa, sentia como se tudo já tivesse sido resolvido. E apesar da dor que sufocava todos os meus músculos após horas ininterruptas de pulos e danças que não existem, minha mente estava calma como as folhas do jardim estão agora. E uma estreita tira de Lua sorria no topo, me observando timidamente. “Viu? Eu resolvi as coisas.” Sussurrei. E ela não respondeu.

Agora, por detrás das nuvens, tenho certeza que essa mesma Lua observa de algum ponto minha total certeza sobre algo que deveria ter sido mantido para sempre no patamar da INcerteza. Ela ri audivelmente de meu pavor enquanto imploro “por favor, não me faça escolher...”.
Porque se escolhesse, Lua, seria ele. Seria ele para sempre. E, para mim, ele não existe. Não pode existir. Porque ele foi embora com ela; escolheu ir embora com ela. E me deixou na escuridão. Merecendo ser abandonado de volta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário