São Quase Três
Ouvindo: Nothing At All, Gentle Giant
Eu dormi demais, e já são quase três. São quase três e o
céu faz jus, sob uma espessa camada de neblina alaranjada, ao meu estado de
espírito. É escuro, frio, pálido e estático. Sem vento, como se uma espécie de
força sobrenatural abraçasse árvores e seus galhos fortemente, não cedendo
espaço a movimentos bruscos, implorando por calmaria. Em algum lugar, sob todas
as nuvens e serração, escondem-se as estrelas cujo pó passeia por meus ossos e,
claro, minha doce companheira Lua. O ar que preenche o jardim sob minha janela
aberta transporta o mesmo cheiro frio e confortável do inverno. E agora sim, já
são três.
Ouço o sussurro suave que se mistura ao manso dedilhar de
cordas de aço, murmurando calma. Calma. Calmas. Contando-me sobre o orgulho da (suposta)
força estratosférica que tem fluído por minhas veias no último mês. Seus lábios
se arqueiam como uma linha reta que, de repente, adquire forma. Os meus são
salgados por lágrimas.
Porque eu “tenho me saído bem”. Bem, com seus braços em
minha volta, sob enormes nuvens cinzentas de chuva. Bem, me sentindo gigantesca
com sua cabeça apoiada em meu peito. Bem, brincando de compor canções. Bem, até
ficar sozinha. E eu tenho estado muito sozinha.
Agora, na solidão escura cercada por neblina, minha mente
se enche de pensamentos sobre aquele que provavelmente, nesse exato momento,
acelera alguma coisa por uma rua vazia. Vento em seu rosto, vento congelando
suas mãos. Vento. Céu. Estrada. Como a bela cena do romance que nunca escrevi.
Nem presenciei.
E memórias. Memórias ainda frescas sobre o perfume que
pela primeira vez me pareceu familiar. Sobre mãos tão exatas. Braços tão
grandes me envolvendo por completo em meio a tantas pessoas que não faziam
ideia sobre a felicidade que rompia meu peito e me dava vontade de gritar. Era
lindo. Especial como me parecia nos primeiros dias. Naquele momento, ignorei
todo e qualquer pensamento que beirava sensatez, que gritava sobre a outra
garota o esperando em outro canto do país e sobre meu próprio garoto, me esperando
do lado oposto da cidade. Rendi-me aos abraços apertados, às canções que jamais
serão simplesmente “canções” e à vontade fulminante que ficara presa por tantos
e tantos dias em meu peito e era, enfim, libertada. Mesmo que não
completamente.
Quando voltava para casa naquela mesma madrugada, com o
sol apontando seus primeiros raios e nuvens ficando lilases e cor de rosa,
sentia como se tudo já tivesse sido resolvido. E apesar da dor que sufocava
todos os meus músculos após horas ininterruptas de pulos e danças que não
existem, minha mente estava calma como as folhas do jardim estão agora. E uma
estreita tira de Lua sorria no topo, me observando timidamente. “Viu? Eu
resolvi as coisas.” Sussurrei. E ela não respondeu.
Agora, por detrás das nuvens, tenho certeza que essa
mesma Lua observa de algum ponto minha total certeza sobre algo que deveria ter
sido mantido para sempre no patamar da INcerteza. Ela ri audivelmente de meu pavor
enquanto imploro “por favor, não me faça escolher...”.
Porque se escolhesse, Lua, seria ele. Seria ele para
sempre. E, para mim, ele não existe. Não pode existir. Porque ele foi embora
com ela; escolheu ir embora com ela. E me deixou na escuridão. Merecendo ser
abandonado de volta.
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