A Última Flecha
Às vezes penso que devíamos ter permanecido
entre olhares cruzados... Entre os risos inocentes que não iam além dos
corredores, as expectativas secretas que alimentávamos sobre o outro, o desejo
inconstante.
Apesar de brilhantes e arregalados, meus
olhos não te contariam sobre a bagunça que se passou e se passa, inquieta, no interior
de minha mente maluca. Maluca. Acho que se a maluquice existisse (você sabe que
não acredito no “normal” e no “maluco”), seríamos pessoas malucas. Além de
imprestáveis, cruéis, sem um pingo de piedade e nem, tampouco, um coração para
machucar.
Sinto que corremos em direções opostas pela
mesma louca e assustadora razão: nos pegamos sentindo, e o céu sabe que é
exatamente do “sentir” que temos medo.
A explicação do adeus - “Desculpe, mas
preciso ir embora antes que nosso tempo acabe e não nos reste desejo algum” –
foi rápida como uma bala; ou melhor: uma flecha medieval.
Lembro como se tudo houvesse ocorrido há
apenas alguns segundos, e não dias. O tremor que percorreu meu corpo e concentrou-se
nos lábios numa tentativa falha de sorrir. A única lágrima que fui capaz de
derramar. Meu coração disparado como o de um pequeno pássaro que se viu fora do
ninho pela primeira vez.
Sinto como se cada gesto nos tivesse
transportado a isso. Cada quase-beijo, cada abraço, cada partícula de seu
perfume em meu casaco pesado. Cheirava a morte. Término. Adeus.
Quando me deitei tendo a consciência de que
aquele dia havia sido o último, meus batimentos cardíacos estavam tão altos que
jurei que desmaiaria por pura adrenalina. Nenhuma lágrima caiu. Pensava sobre
nossas almas desgraçadas, ligadas inegavelmente, que haviam se encontrado no
pior momento possível, e se separavam por pura covardia, pelo próprio medo do
futuro. Você, eu: quem é mais detestável?
Sorrir enxergando seus olhos estreitos
daquela maneira doce me custou mais força que eu imaginava poder acumular. Nem
todas as drogas que correram por minhas veias doeram tanto, física e
emocionalmente.
Quando meu desejo era cair em prantos e
atirar o que resta de meu corpo aos seus pés, pedindo perdão por algo que nem
sei se fiz, simplesmente sentei-me sobre as próprias pernas dobradas e pus-me a
observar a lua... Ela aparecia por entre as árvores, como um sorriso que me
provocava, e você estava parado debaixo dela. Foi uma cena linda, linda de se escrever.
Pego-me pensando se sua suposta força o
permitiu pensar que, em algum momento, merecemos o que se passava. Reflito até
mesmo sobre a possibilidade de sua frieza e sarcasmo intencionais terem lhe protegido
de toda e qualquer dor de paixão.
Dentre todos os corpos que utilizei para
encontrar alguma autoridade sobre o meu próprio, o seu só me fez ter mais
certeza de que quem está no comando não sou eu. Nunca fui.
Fico aqui, sem escapatória, presa em uma mente
emaranhada em confusões. Meu coração não está quebrado, mas isso é tão pior,
como se ele não fosse capaz de sentir nada...
Por puro egoísmo peço então, enquanto corre
a primeira e última lágrima que fui capaz de derramar refletindo sobre tudo: Não me guarde na gaveta. Não se esqueça de como minhas mãos pareciam
pequenas. Não permita que o futuro sobre o qual te fiz devanear evapore, ou que eu me torne mais um buraco em seu cinto. Não esqueça de minha convicção sobre o copo estar meio cheio, e muito menos do cheiro “doce”, puro e verdadeiramente apaixonado
após meses de ceticismo, que - eu tenho certeza - permanecerá te seguindo para
sempre, principalmente durante suas visitas ao mundo doentio e ilusório que
criamos com a facilidade de quem escreve fantasia.
Como Tolkien... Como Lewis...
Você entendeu.
Como Tolkien... Como Lewis...
Você entendeu.