sábado, 5 de março de 2016

Sem Tinta

Sem Tinta

Mad World, Gary Jules

Eu roubaria sim. Contrariando o que disse mil vezes antes dessa. Eu roubaria. O tempo. Porque tudo parecia menos urgente sem um prazo a contornar. E mais fictício num período de 900 dias ao invés de 300.

Porque quando corre mais depressa não sobra tempo pra jogos. Nem mágoa. Nem desenterro de passado. Nem nenhum tipo de raiva. E eu não quero não conseguir dormir por questões de peso na mente ou na alma. E eu não tenho tempo para corações partidos.
E além do tempo, segurar sua mão. Porque todas as coisas poderiam ter esperado. Tempo vai mais devagar com você, porque quando te seguro corro mais rápido. E porque eu queria te apresentar meu quarto antes que você fosse, e antes que eu ficasse pensando nisso pra sempre. Mas eu nunca sei onde você está. Nem quem você ama. Nem se você ama. Nem onde eu estou. E sou eu que não consigo deixar pra lá, afinal de contas.

Jurei que dessa vez faria tudo. Mas como tudo, se amor é um processo tão cooperativo e as pessoas são tão individuais? Se isso é o conformismo, eu não quero mais. Se essa inércia é aceitação, eu não me sinto tão plena em aceitar. E se o que estou fazendo é discurso, eu desisto. Porque não sei mais escrever. Nem tenho o que dizer. E porque a linguagem torna meus sentimentos pequenos do tamanho de uma folha, e me incomoda a ideia de que meus maiores problemas são minúsculos assim.
Essa piada não tem mais graça. E vivendo de brincadeira por tanto tempo, não sei o que fazer a partir daqui. Ou sei. Mas se depende do sentimento do outro ainda é saber?

O mundo faz mesmo esse pouco caso com todos que se apaixonam? Ou quem faz pouco caso somos nós? Ou nenhuma das alternativas, porque na verdade todos estávamos sozinhos?
Eu não sei mais escrever. Porque agora não há ninguém além de mim para culpar. Pela decepção que eu me causei. E pelas histórias que eu inventei. E pelos sentimentos que não consigo compartilhar.
E porque no fim eu tenho muito medo da minha imagem no espelho. E das coisas com as quais conto para me preencher. Eu não sei mais escrever. Nem por que choro. E é verdade, eu buscava iluminação. Mas nunca achei que a luz fosse cair sobre mim mesma como quem diz vá se virar. Daí choro por todos os não culpados que culpei. Por mim mesma também.

Porque começo temer que todas as afirmações sobre amor próprio talvez não se apliquem a todos. Que existem seres fadados a segurar a mão alheia para não tropeçar. Mas e quando a mão alheia não quer mais nos segurar? Todos os dias no colo de alguém diferente, e nunca sem parar de correr. Eu não sei mais escrever.

Sabia que o tempo corre diferente para quem vai rápido e quem vai devagar? Não fui eu quem disse. Foi Einstein. Eu não digo mais nada. Porque eu não sei mais escrever. Porque palavras são muito limitadas para o meu reflexo. Porque minha luz e minha dor e meu amor e minhas lágrimas não são tão simples quanto 500 caracteres. Porque eu não caibo mais dentro de mim. E porque, finalmente, eu não sei mais escrever.