quinta-feira, 8 de junho de 2017

Meu Anjo, Meu Amor

Meu Anjo, Meu Amor

Ouvindo: Sad Boy, Rad Horror

Eu vou te guardar na minha torre. O mundo lá fora não penetra minhas cortinas brancas. Não faz frio na minha cama. É macio no meu tapete, se quiser cair.
Eu vou beber suas lágrimas e transformá-las em palavras lindas. Vou cantar no seu ouvido pra ver o canto da sua boca se curvar. Vou extinguir as roupas, te segurar com tanta força contra minha pele que você vai reclamar de calor. E eu não vou ligar. Nem soltar.

Porque eu te vi indo embora sem saber que era mentira. Como refém das minhas histórias às vezes reais, às vezes fictícias. E eu vi tudo em ti. Tu em tudo. Eu tive medo de não sentir sua barba machucando minha barriga enquanto você desce. E eu queria sentir esse machucado. Por muito tempo mais. Tudo era você. Eu era você.

Eu espero que você não tenha medo. Do meu medo do que vai embora. Eu não consigo controlar as reações químicas do meu cérebro, e às vezes elas explodem. Meu eu-consciente vai te proteger de mim. Dos demônios que te assombram. Do que você quiser.

Seus olhos entreabertos. O corpo descoberto. As calças xadrezes. E a gata no colo. Minha calma. Minha paz. Fortaleza de amor pelo mundo. Deixa eu me afogar em ti. Beber você pela boca, pela mente, pelo resto do corpo todo. Deixa eu admirar você. Suas costas. Seu nariz. Sua boca pequena, macia, redonda. Eu vou te morder de amor.

Os braços que eram seus, e agora são meus. O único lugar onde consigo dormir sem acordar. E, se acordar, ver você. Sentir sua respiração quente no meu pescoço. E as mãos quentes nas minhas coxas descobertas. Tudo tem cheiro de você. No seu travesseiro, nos cobertores. E eu misturo meu cheiro ao seu. Eu rego sua cama com minhas lágrimas, eu debruço minha dor em ti. E você me abraça. Você é só calma. A beira da lagoa. A arte dos muros.

Me deixa te levar pro outro lado do estado. Pra cima das dunas, das montanhas. Te mergulhar na água salgada. Sentir o sal pinicar nossa pele bronzeada de verão. Me deixa te beijar na orla, sentir seu corpo todo, te transbordar de prazer em mim. Me deixa te levar pra uma casinha de vidro no meio das árvores, das flores, das orquídeas. Plantar um jardim em ti com minha boca. E minhas palavras. E meu amor. Te causar arrepios com a língua. Em todos os lugares. Em todos os sentidos.

Eu vou te mostrar meu mundo lindo.  Criar nosso mundo de sol. Não vai existir inverno, nem chuva, nem pais. Vai ser as tardes no meu quarto. As noites no seu quarto. A gente vai sair pra passear num barco. Você vai me contar sua calma. A Cassie vai falar. Eu vou conseguir entrar na sua cabeça por uma portinha roxa com a chave que você me deu. E eu vou levar minha espada pra matar seus monstros. Trazer seus cadáveres pra fora. Escrever tudo que você pensou duma forma linda pra te ajudar a entender.

A gente vai crescer tanto que vai explodir esse universo. Brincar com os planetas como se eles fossem bolinhas de nada. Enrolar as pernas na lua. Descobrir a beleza de tudo. Morrer de amor.
Me deixa te matar de amor.
Me deixa morrer de amor.
Meu anjo.
Meu amor.



quarta-feira, 7 de junho de 2017

Être

Être

Me fantasiava de rainha da beleza, beirando o fim dos anos 50. Sentia o tapete felpudo nas partes descobertas do corpo. O ar do aquecedor permitia a ausência da cobertura, balançando meus cachos em câmera lenta. Sentia os cílios falsos pesarem, irritando meus olhos sensíveis. A respiração lenta, que ora absorvia a fumaça contornando o incenso, ora as rosas que baseavam meu perfume, brilhando em tons de roxo sobre o bidê.

Iluminado pela minúscula luz do aquecedor ligado, meu quarto se tornava laranja. O laranja refletia na porcelana do prato que apoiava meus anéis. Ele não anulava o brilho azulado cadavérico da madrugada, que adentrava a veneziana das janelas e era, por fim, absorvido pelas cortinas.

Era melancolicamente bela, a minha solidão. Meu choro atravessava a pele do meu rosto pálido num traço tingido por maquiagem escura, terminando próximo à minha orelha direita, quando repousava sobre a pérola que atravessava o lóbulo auricular.

Eu lembrava do torpor dos dias em que precisei ausentar-me de mim mesma enquanto sentia o gosto do batom vermelho, que parecia mais escuro sob a luminescência laranjada. A dor que os rompimentos me causavam, e a dor que sinto ao projetá-los antecipadamente. O medo da possível e quase próxima necessidade da criação de novos hábitos. O novo que quase sempre me assusta.

Sentia-me terrivelmente sozinha, naquele cenário fictício. Não havia ser capaz suprir plenamente o espaço. Os olhos continuavam transbordando, as lágrimas evaporavam depressa. Retornava ao medo exagerado de fins.

A subconsciência, projetando alternativas também antecipadas, me forçava a lembrar de palavras que tive medo de dizer quando o carro parou sobre a ponte interiorana naquele dia de chuva. O beijo que não ocorreu, porque meu rosto ficou quente demais, e eu preferi olhar pela janela que ladeava o banco do carona, fingindo acompanhar o rio que corria velozmente logo abaixo de nós. Das palavras que eu nunca disse. Dos sentimentos que eu nunca demonstrei. Da mão que entrelaçou a minha tarde demais.

Com os olhos embaçados de lágrimas, vislumbrei uma minúscula fissura entre a renda e o cetim da meia que contornava minha coxa esquerda, logo acima do joelho.
Meu corpo vai partir em dois. Dois. Da dualidade do meu amor. Da dualidade do meu querer estar. E nunca estar. Sempre no limbo do “poderia ser”.

Silence was a killer too.