sábado, 8 de novembro de 2014

Eclipse

Eclipse

Ouvindo: Enlighten my Soul, por Adrian Von Ziegler

É extraoficial: quebramos todas as regras propostas pelo destino. Fomos os personagens principais de nosso próprio conto fantástico.
Segurávamos nossos arcos brilhantes enquanto nossos cabelos castanhos eram ricocheteados pelo vento do outono (que foi quando descobri que não precisava empunhar a espada sozinha). Corríamos por nossas florestas carregando sonhos inéditos para ambos enquanto as folhas laranjadas caíam em espirais. Eu segurava suas mãos como se elas fossem oxigênio em um mundo submerso pelo mar.
As pessoas nos acompanhavam com o olhar. A energia que vibrava era tanta que mesmo os seres inconscientes sobre o que se passava tinham a atenção despertada pela diferença que se complementava. Seus olhos tão desconfiados ao lado de minhas pupilas ingênuas. Seus cabelos tão desalinhados perante às minhas fitas de cetim. Sua quase invisibilidade colada às minhas saias estupidamente rodadas... Opostos nunca pareceram encaixar-se tão bem.

O que me veio à mente na noite passada pareceu mais com uma memória antiga do que com um sonho. Acordei tomada pelo sentimento do primeiro “olá” por trás da tela de um computador. Do primeiro abraço engraçado, assustado e instantâneo num corredor vazio e como seus olhos pareciam fitar os meus com ar de “eu finalmente te encontrei, eu não vou embora”. As noites sem dormir, com o coração pulando de felicidade por tê-lo por perto... Oh, meu amor, por que essas coisas não voltam? Eu sei que já se passaram seis meses... mas por que elas não voltam?
O sonho-memória que veio em seguida já não se passava na metade do outono, e sim no fim do inverno. Sem muitos detalhes. Não via seu rosto, mas posso jurar que senti seu coração acelerado saltando através da camiseta, contra meu próprio peito. Aspirei seu perfume com a maior força que pude. Acordei espantada, tremendo como costumava tremer durante conversas de “adeus” no meio da noite. E eu te quis aqui.

Agora não somos mais personagens. Nossos olhares não sustentam o mesmo sentimento de curiosidade e vontade de aventura quando fixados. Eles faíscam dor. Saudades. Uma vontade que não sabemos explicar ou saciar, tampouco. Nossas florestas incendiaram e, durante a fuga, perdemos os sonhos pelo caminho. As flechas acabaram, perdidas nas carcaças de monstros que tentamos, mas não conseguimos evitar. Procuro suas mãos sem êxito, sem oxigênio, pulmões enterrados nas profundezas...
Nos imagino assim para sempre. Criaturas infelizes e amedrontadas. Desconfiadas de tudo. Seguindo caminhos separados, que nos levarão para tão longe (pois os corredores que nos sustentam não durarão por muito tempo). Encontro o desejo inconsolável de passar o que seria uma vida num universo de contos de fadas. Como os vilões, e jamais como os mocinhos.
Mas os vilões partirão por estradas contrárias, viverão suas vidas comuns e nunca mais mirarão os olhos alheios a até dez metros de distância.
Você consegue ficar longe? Você consegue viver com isto? Você consegue ir embora...? Não o faça.

sábado, 1 de novembro de 2014

Assombros Avulsos

Assombros Avulsos

Ouvindo: E-Bow The Letter,R.E.M (intercalada ao pulsar acelerado do meu coração)

1. Tenho o desejo incessável de uma liberdade desconhecida pela maioria das pessoas. É um sentimento um bocado difícil de ser compreendido. Há falhas, picos e desníveis em sua composição. Sua forma de funcionamento varia por fatores externos – poderia passar a eternidade ao lado das pessoas certas sem jamais cansar-me delas, mas um minuto ao lado de alguém que já me cansou por tantas vezes me faz sentir exausta.
Enquanto tentava pegar minhas mãos para fazer com que eu girasse em meio à pista de dança, queria conseguir dizer que não era culpa dele. Que não era culpa nossa vivermos em universos tão diferentes agora. Que talvez, por motivos alheios à nossa vontade, fosse melhor seguirmos caminhos separados... A música pesada alta demais não permitiu, porém, que as palavras saíssem com clareza. Fui mal interpretada, mal compreendida.
O que mais me assusta nisto tudo, entretanto, foi a paz plena que durou enquanto fiquei sentada, sozinha, observando os instrumentos brilhantes no palco. Sem perguntas, sem dar satisfações a ninguém.

2. As experiências que tive com bebidas alcoólicas nunca foram satisfatórias. A madrugada não me reservou nada diferente. Seis garrafas sobre a mesa. Descobri que é fácil esquecer meu próprio nome – mas nunca o nome alheio. A sonoridade daquele nome era quase sussurrada pela minha consciência, melodicamente. O nome mais bonito que já vi.
O sonho da noite passada me trazia imagens de seus olhos e dedos longos. Foi um tipo diferente de sonho. Eu o sentia aqui. Eu sentia minha própria felicidade com aquelas mãos novamente entrelaçadas às minhas. Nenhuma complexidade, nenhum problema. Só ele, aqui. Acordei afogada nas minhas próprias lágrimas, sussurrando uma eternidade de versos que diziam “volte” repetidamente, até que o sono me alcançasse novamente.

3. Mentiria se dissesse que não gosto de ser tocada. Talvez haja uma espécie de magia que torne o ato agradável, no entanto. A mágica, segurança, paixão ou seja lá o que mova esse sentimento confuso estava ausente naqueles três pares de mãos.
Corri das primeiras, atrasei-me para escapar das segundas e quase fui capturada pelas terceiras.  Minha mente dizia, enquanto esperava para ir de volta para casa, que eu não deveria me sentir culpada por algo que, nem de longe, dependia do meu consentimento. O desespero, porém, sibilava que meus sorrisos deveriam ter sido abertos demais, que minhas roupas convidassem certo alguém a fazer certa coisa e até que os boatos do que fui há quase um ano – ironicamente, para justamente escapar do temor de ‘estar sendo usada sem meu consentimento’ – ainda pairassem no ar. Sentia-me pequena, amedrontada, e meu coração batia como um tambor veloz em meus ouvidos.

4. Algodões me observavam, novamente, sobre a penteadeira. Manchados de púrpura brilhante, como uma galáxia desbotada. Suspirei quando vi a mensagem. Já não me sentia tão sozinha.
Quis voltar aos braços que me causaram tanto conforto no passado e dizer-lhes, como uma explicação para o sentimento que tomou meu peito naquele instante, que entendo como se sente com relação a ela (oras, sinto-me da mesma forma para com o misterioso “ele” – que você desconhece –, afinal). Tenho te torturado, admito, por pura e espontânea vontade. Não acho que nada do que escrevo o atinge significativamente. Nosso amor um pelo outro não é nada comparado ao amor próprio, que sentimos mutuamente.
Quero, na madrugada secreta, pedir perdão por isso. Não quero vê-lo sentindo como se não fizesse parte de lugar algum. Que eu entendo, meu amor, como se sente. E que eu entendo, amor, a situação que ocorre em volta. Há conforto nos braços que não são meus – o conforto, entretanto, não elimina os meus próprios de sua mente por muito tempo. É, como de costume, recíproco. Inexplicável, fulminante, suicida.
Estamos perdidos, eu confesso. Mas estamos perdidos... juntos.