sexta-feira, 12 de junho de 2015

d'O Retorno

d'O Retorno

Ouvindo: Please Come Home, The Cure

Quando voltei do mar após o tempo que beirou um ano minha casa parecia diferente. O carpete pareceu mais claro, as cortinas pareceram mais azuis e as janelas pareceram alguns centímetros mais baixas...  era o tempo que passava por minha torre, atravessando a renda que cobria as vidraças e chegando à mente, à expressão facial, ao cabelo cada vez mais longo.
Foi necessário um bocado de semanas e outro bocado ainda maior de dias para que voltasse a me habituar às cores do tapete vermelho e azul, à moldura lilás do quadro e à textura da estante bagunçada.

Junto com o tempo que continuava atravessando a mesma renda, na mesma torre, eu cresci. A casa, que antes era tudo que me mantinha segura dos temporais físicos em que trovões fazem sons assustadores, se estendeu a um prédio maior e, logo após, a braços maiores.
Junto com os braços, vieram os temporais emocionais que faziam chover e trovoar pensamentos de gente quase grande. E de leve, mais leve que o tempo, passei a viver noutra casa.
Adorava as estrelas fluorescentes no teto... mas amava aqueles olhos castanhos se estreitando para os meus. Os fiz meu lar. Você foi minha casa. (Não sei até que ponto continua sendo.)

Casa é o que nos protege do temporal e do frio. De quebra, até da ventania que bagunça os pensamentos. Era nos cabelos castanhos que enterrava meus pensamentos sombrios. E era na sua mente, tão similar à minha própria, que estes mesmos pensamentos faziam algum sentido.
O risco que corremos quando transferimos quatro paredes sólidas a uma mente autônoma, entretanto, deveria ter sido tratado com mais cuidado.
Vi minha casa indo embora algumas vezes. Posso dizer, talvez melhor do que ninguém, quão doloroso é sentir uma agulha perfurando a carne – mas também posso explicar, ainda convictamente, que o sentimento de não ter um chão onde pisar e uma porta para adentrar supera a sensação anterior em todos os sentidos. Era aquele medo que fazia as mãos tremerem, a garganta apertar e o estômago revirar mil vezes por minuto. Ver-te indo. Meu lar.

Recentemente, vi meu lar retornando. Como quando saí do mar e atravessei quase 500km de volta, a sensação primordial foi  aquela familiar fusão de calmaria, estranhamento, conforto e dificuldade de adaptação – tudo ao mesmo tempo.
A diferença entre minha chegada ao lar físico, aquele com portas e janelas, era que eu tinha a certeza de que, não importava aonde eu fosse, era ali que ele permaneceria. E quando a você, meu bem... eu não pude ter certeza de absolutamente nada.

O medo que sinto atravessa minha mente como uma flecha, e às vezes sinto como se este mesmo temor se pusesse sobre todos os planos sussurrando que nenhum deles dará certo. Nas noites escuras é difícil ignorar todos os demônios que às vezes sibilam, às vezes gritam, sobre tudo que tem uma chance mais do que gigantesca de desmoronar. Dizem principalmente que só devo aguardar a próxima partida, que é moralmente errado abraçar com tanta força um ser que já entregou um pedacinho de si a outro (embora eu acredite profundamente que a história de “pertencer” não exista).

Dizem que segundas chances são válidas. Nunca disseram nada, entretanto, sobre as terceiras. As quartas. As quintas chances... E eu, que sempre fui tão autossuficiente, mantenho aquele mesmo pé atrás, medrosa como nunca, enquanto mais uma vez coloco um pedacinho do próprio coração para fora da manga.
E embora o desejo profundo seja atirar-me do abismo sobre ti novamente, levando todo o susto e toda a confusão, o que ordenam as regras é a distância parcial, a não resolução completa, o cuidado racional.

Não precisa prometer... mas não precisa partir. Não precisa levar embora a fortaleza que me abraça. Não precisa cruzar todas as rodovias do mundo.
Não sem mim.
Você é minha casa.