Assombros Avulsos
Ouvindo: E-Bow The Letter,R.E.M (intercalada ao pulsar acelerado do meu coração)
1. Tenho o desejo incessável de uma liberdade
desconhecida pela maioria das pessoas. É um sentimento um bocado difícil de ser
compreendido. Há falhas, picos e desníveis em sua composição. Sua forma de
funcionamento varia por fatores externos – poderia passar a eternidade ao lado
das pessoas certas sem jamais cansar-me delas, mas um minuto ao lado de alguém
que já me cansou por tantas vezes me faz sentir exausta.
Enquanto tentava pegar minhas mãos para fazer com que eu
girasse em meio à pista de dança, queria conseguir dizer que não era culpa
dele. Que não era culpa nossa vivermos em universos tão diferentes agora. Que
talvez, por motivos alheios à nossa vontade, fosse melhor seguirmos caminhos
separados... A música pesada alta demais não permitiu, porém, que as palavras
saíssem com clareza. Fui mal interpretada, mal compreendida.
O que mais me assusta nisto tudo, entretanto, foi a paz
plena que durou enquanto fiquei sentada, sozinha, observando os instrumentos
brilhantes no palco. Sem perguntas, sem dar satisfações a ninguém.
2. As experiências que tive com bebidas alcoólicas nunca
foram satisfatórias. A madrugada não me reservou nada diferente. Seis garrafas
sobre a mesa. Descobri que é fácil esquecer meu próprio nome – mas nunca o nome
alheio. A sonoridade daquele nome era quase sussurrada pela minha consciência, melodicamente.
O nome mais bonito que já vi.
O sonho da noite passada me trazia imagens de seus olhos
e dedos longos. Foi um tipo diferente de sonho. Eu o sentia aqui. Eu sentia
minha própria felicidade com aquelas mãos novamente entrelaçadas às minhas.
Nenhuma complexidade, nenhum problema. Só ele, aqui. Acordei afogada nas minhas
próprias lágrimas, sussurrando uma eternidade de versos que diziam “volte”
repetidamente, até que o sono me alcançasse novamente.
3. Mentiria se dissesse que não gosto de ser tocada.
Talvez haja uma espécie de magia que torne o ato agradável, no entanto. A
mágica, segurança, paixão ou seja lá o que mova esse sentimento confuso estava
ausente naqueles três pares de mãos.
Corri das primeiras, atrasei-me para escapar das segundas
e quase fui capturada pelas terceiras. Minha mente dizia, enquanto esperava para ir
de volta para casa, que eu não deveria me sentir culpada por algo que, nem de
longe, dependia do meu consentimento. O desespero, porém, sibilava que meus
sorrisos deveriam ter sido abertos demais, que minhas roupas convidassem certo
alguém a fazer certa coisa e até que os boatos do que fui há quase um ano –
ironicamente, para justamente escapar do temor de ‘estar sendo usada sem meu
consentimento’ – ainda pairassem no ar. Sentia-me pequena, amedrontada, e meu
coração batia como um tambor veloz em meus ouvidos.
4. Algodões me observavam, novamente, sobre a
penteadeira. Manchados de púrpura brilhante, como uma galáxia desbotada.
Suspirei quando vi a mensagem. Já não me sentia tão sozinha.
Quis voltar aos braços que me causaram tanto conforto no
passado e dizer-lhes, como uma explicação para o sentimento que tomou meu peito naquele instante, que entendo como se sente com relação a ela (oras, sinto-me
da mesma forma para com o misterioso “ele” – que você desconhece –, afinal). Tenho
te torturado, admito, por pura e espontânea vontade. Não acho que nada do que
escrevo o atinge significativamente. Nosso amor um pelo outro não é nada
comparado ao amor próprio, que sentimos mutuamente.
Quero, na madrugada secreta, pedir perdão por isso. Não
quero vê-lo sentindo como se não fizesse parte de lugar algum. Que eu entendo,
meu amor, como se sente. E que eu entendo, amor, a situação que ocorre em
volta. Há conforto nos braços que não são meus – o conforto, entretanto, não
elimina os meus próprios de sua mente por muito tempo. É, como de costume,
recíproco. Inexplicável, fulminante, suicida.
Estamos perdidos, eu confesso. Mas estamos perdidos...
juntos.
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