quinta-feira, 3 de julho de 2014

No Centro Do Alvo

No Centro do Alvo

Criei uma teoria baseada no céu. No céu do crepúsculo e, principalmente, no céu noturno.
O que ocorre é que a imensidão de estrelas flamejantes, nuvens avermelhadas e planetas distantes, de certa forma, gira ao meu redor. E isso tem feito todo o sentido possível.

Era tarde; quase meia noite. Eu encarava a imensidão azul coberta por nuvens alaranjadas que ameaçavam chuva, e o vento frio que balançou meus cabelos me fez tremer, embora não fosse exatamente este, eu sabia, o motivo concreto do arrepio. Não soube como interpretar o que a ausência de estrelas representava. Não no momento.
Sentia como se tivesse me jogado do penhasco mais alto e sido capturada por uma águia, que logo em seguida atirou-me contra uma rocha gigantesca com toda a força que pôde. A pedra caiu sobre mim, e o mundo desabou sobre a pedra. E tudo isso novamente, gerando um ciclo infinito. Não sei como consegui chegar à porta. Ao chuveiro. À cama. E ao sono muito menos, pois nem sequer encontrei rastro dele.

Só agora, exatamente vinte e quatro horas após o ocorrido, é que começo tentar dar palpites sobre o que o céu contava a mim sobre mim mesma. A cortina de nuvens que vi, parecendo tão tristes, porém serenas, escondiam toda a explosão de estrelas, planetas, névoas, galáxias que rompiam a calmaria azul. Situação idêntica à expressão que estampava o rosto que não reconheci no espelho.
E apesar de tentar chorar, eu sabia que o que mais queria no momento era gritar. E brigar com o céu. E xingar as estrelas. E te xingar. E me xingar. Mesmo tendo consciência de que isso tudo de nada adiantaria.

A cena que se forma em minha mente é tão tortuosa, triste e complicada que chegaria a ser bela de se assistir, não fosse eu a moça de vestido.
Ela tem as mãos atadas, e anda com o queixo erguido, de olhos fechados, em direção ao alvo. A seda toca o chão sujo. Seus cabelos soltos balançam com violência. Então, ela finalmente para. Bem no centro do círculo de madeira. Ela abre os olhos, e encara sua dor. Sua dor a mira de volta sorrindo, tão sádica e cruel, como uma desconhecida que a conhece tão bem. Isso a machuca, mas apesar de precisar prender a respiração para não cair, ela continua a encará-la. “Estou disposta a enfrenta-la. Pois é o que eu teria de fazer. Neste agora, ou noutro agora.”. E a dor mira seu peito, fecha um dos olhos, puxa o fio flexível, solta a flecha.  E a flecha a perfura, sim, trazendo com ela a lembrança, e a dor, e a dúvida, e a esperança que foi embora, e o cheiro doce que lhe fez tão bem, e o sorriso e os olhos que brilhavam quando ele acontecia, e as cruéis palavras que não foram sequer ditas por você!, e a outra, e as outras, e todas as pedras mais pesadas.
A moça leva as mãos ao peito, sentindo o sangue morno que flui, mas não tenta estanca-lo. Não tenta impedir as lágrimas. Não há mais risos forçados, ou tentativas falhas de manter algo no estômago. O vento para. A dor a encara ao longe. E suas pernas cedem. E seu corpo finalmente pode descansar sobre a relva. O vestido reluzindo sob um céu denso de nuvens brancas, parecendo cortinas. E ela sente a flecha. E evapora lentamente em direção à luz.

Certos fantasmas precisam ser encarados. Certas dores, sentidas. E quando as tentativas de ignorar falham, e tudo parece perder a cor, talvez devamos caminhar até o centro do alvo. O fiz. Porém nenhuma parte evaporou, ou foi em direção à luz. Penso que talvez isso leve tempo. E pergunto-me se o tempo, por si só, será capaz de levar consigo todos os resquícios de alma para que esta possa, enfim, buscar resolver suas pendências com outro ser pensante. Talvez tão maravilhoso quanto – o que ainda parece impossível.

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